A Utilização de Inteligência Artificial pelas PMEs Portuguesas

Análise Longitudinal (2019-2024) e Projeções Estratégicas

Data de Publicação: 2025-06-23
Autoria: Emanuel AlmeidaDescomplicar® – Agência de Aceleração Digital
Palavras-chave: Inteligência Artificial, PMEs, Transformação Digital, Portugal, AI Act, Competitividade, Inovação


Resumo

Este estudo apresenta uma análise longitudinal abrangente sobre a adoção de Inteligência Artificial (IA) pelas Pequenas e Médias Empresas (PMEs) portuguesas no período 2019-2024, projetando cenários de desenvolvimento estratégico até 2030. A investigação revela uma trajetória de crescimento exponencial, porém desigual. Em 2023, a taxa de adoção de IA pelas PMEs situava-se em 7%, embora estudos com diferentes metodologias e definições de IA apontem para valores até 35%, contrastando com os 35% de adoção nas grandes empresas. O estudo identifica os setores financeiro (78%), industrial (66%) e tecnológico (65%) como líderes na implementação de soluções de IA. As projeções económicas indicam um potencial de incremento no PIB português entre 18-22 mil milhões de euros até 2030, condicionado à superação de barreiras estruturais, nomeadamente o défice de talento qualificado e os custos de implementação. A entrada em vigor progressiva do Regulamento IA da UE, a partir de 2025, configura um desafio de conformidade e uma oportunidade estratégica para o posicionamento competitivo das PMEs portuguesas no mercado único europeu.


1. Introdução

1.1 Contexto e Relevância

As Pequenas e Médias Empresas (PMEs) constituem o pilar fundamental da economia portuguesa, representando mais de 99% do tecido empresarial e empregando aproximadamente 78% da força de trabalho nacional (INE, 2023). No período 2019-2024, estas empresas navegaram um cenário de complexidade sem precedentes, marcado pela recuperação pós-pandémica, instabilidade geopolítica e uma aceleração tecnológica disruptiva.

Paralelamente, a democratização da Inteligência Artificial (IA), impulsionada significativamente pela emergência da IA generativa a partir de 2022-2023, transformou radicalmente o panorama tecnológico empresarial. Esta evolução criou oportunidades inéditas para a otimização de processos operacionais, inovação de modelos de negócio e incremento da competitividade, colocando, simultaneamente, desafios significativos à adaptação das PMEs. Este estudo justifica-se pela necessidade premente de compreender a dinâmica de adoção da IA neste segmento empresarial vital e de antecipar os seus impactos socioeconómicos.

1.2 Objetivos da Investigação

Este estudo visa:

  1. Analisar a evolução da adoção de IA pelas PMEs portuguesas no período 2019-2024.
  2. Identificar os padrões setoriais de implementação e os fatores determinantes (catalisadores e barreiras) da adoção.
  3. Avaliar o impacto potencial do quadro regulatório europeu (AI Act) na estratégia e competitividade das PMEs.
  4. Projetar cenários de desenvolvimento futuro da IA em Portugal (2025-2030), considerando diferentes variáveis.
  5. Formular recomendações estratégicas fundamentadas para decisores políticos, líderes empresariais e comunidade académica.

1.3 Questões de Investigação

  • Q1: Qual a trajetória efetiva de adoção de IA pelas PMEs portuguesas entre 2019 e 2024, e quais os fatores que explicam as disparidades observadas nos dados reportados?
  • Q2: Como se caracterizam os padrões setoriais de implementação de IA e quais os determinantes críticos para o sucesso dessa implementação nas PMEs?
  • Q3: De que forma o AI Act da UE poderá impactar a competitividade e as estratégias de inovação das PMEs portuguesas?
  • Q4: Quais são os cenários mais prováveis para a evolução da IA no ecossistema empresarial português até 2030, e quais as suas implicações económicas?

2. Revisão da Literatura e Enquadramento Teórico

A análise da adoção de IA pelas PMEs portuguesas é informada por um conjunto de quadros teóricos consolidados:

2.1 Teorias de Difusão da Inovação

A Teoria da Difusão da Inovação (Rogers, 2003) é central para este estudo, sendo utilizada para analisar a dinâmica da curva de adoção da IA (em forma de “S”) e para identificar como atributos percebidos da inovação – como vantagem relativa, compatibilidade com valores e práticas existentes, complexidade, possibilidade de experimentação (trialability) e observabilidade dos resultados – influenciam a sua taxa de adoção pelas PMEs.

2.2 Modelos de Aceitação Tecnológica

O Modelo de Aceitação Tecnológica (TAM) (Davis, 1989) e as suas extensões (e.g., UTAUT) fornecem um quadro analítico para compreender os determinantes da intenção de uso e da utilização efetiva da IA. Este estudo recorre a estes modelos para interpretar como a perceção de utilidade (perceived usefulness) e a perceção de facilidade de uso (perceived ease of use) da IA, entre outros fatores, moldam as decisões de adoção nas PMEs.

2.3 Perspetiva das Capacidades Dinâmicas

A perspetiva das capacidades dinâmicas (Teece et al., 1997) oferece insights cruciais sobre como as PMEs podem desenvolver, integrar, construir e reconfigurar competências e recursos internos e externos para responder eficazmente às rápidas mudanças tecnológicas impostas pela IA. Esta teoria ajuda a explicar por que algumas PMEs são mais ágeis e bem-sucedidas na incorporação da IA para alcançar e sustentar vantagem competitiva.


3. Metodologia

3.1 Desenho da Investigação

Adotou-se uma abordagem metodológica mista, com predominância qualitativa, fundamentada na análise documental e na síntese crítica de fontes secundárias. O desenho longitudinal permite a análise de tendências evolutivas no período 2019-2024 e a subsequente projeção de cenários futuros (2025-2030), conferindo uma perspetiva dinâmica ao fenómeno em estudo.

3.2 Fontes de Dados

A investigação baseou-se num corpus diversificado de fontes:
Fontes Oficiais e Estatísticas:

  • Instituto Nacional de Estatística (INE): Inquérito à Utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) nas Empresas.
  • Gabinete de Estratégia e Estudos (GEE) do Ministério da Economia: Relatórios e estudos sobre o tecido empresarial.
  • Comissão Europeia: Relatórios DESI (Digital Economy and Society Index) e SME Performance Review.

Estudos Setoriais e de Consultoria:

  • Implement Consulting Group & Google Portugal (2024): Análise do impacto económico da IA generativa.
  • International Data Corporation (IDC): Previsões de investimento e adoção de IA.
  • Salesforce: Relatórios globais sobre tendências de adoção de IA em PMEs.

Fontes Regulamentares e Políticas:

  • Regulamento (UE) 2024/1689 do Parlamento Europeu e do Conselho (AI Act).
  • Estratégia Nacional de Inteligência Artificial Portugal (AI Portugal 2030).
  • Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e seus instrumentos de apoio à digitalização.

3.3 Processo Analítico

O processo analítico compreendeu as seguintes etapas:

  1. Análise Longitudinal: Mapeamento e interpretação das tendências de adoção de IA pelas PMEs portuguesas entre 2019 e 2024.
  2. Análise Setorial: Desagregação dos dados de adoção por setores de atividade económica para identificar padrões e líderes.
  3. Análise Comparativa: Benchmarking da situação portuguesa com a média da União Europeia e com grandes empresas.
  4. Análise Prospetiva: Modelação de cenários de desenvolvimento da IA (otimista, realista, pessimista) para o horizonte 2025-2030.
  5. Síntese Integrativa: Articulação dos resultados para formular conclusões robustas e recomendações estratégicas.

3.4 Limitações do Estudo

Reconhece-se que este estudo possui limitações inerentes à sua metodologia. A dependência de fontes secundárias implica que a qualidade e a granularidade dos dados estão sujeitas à disponibilidade e ao rigor das fontes originais. A rápida evolução da IA e do seu ecossistema significa que alguns dados podem tornar-se desatualizados num curto espaço de tempo. Adicionalmente, a generalização dos resultados deve ser feita com cautela, dada a heterogeneidade do universo das PMEs.


4. Resultados

4.1 Evolução Temporal da Adoção de IA

4.1.1 Panorama Geral (2019-2024)

Os dados oficiais mais recentes do INE (2024, referentes a 2023) indicam que 8% das empresas portuguesas com 10 ou mais trabalhadores implementaram soluções de IA. Contudo, esta média mascara uma disparidade significativa: enquanto 35% das grandes empresas já utilizam IA, apenas 7% das PMEs o fazem. Esta clivagem digital entre PMEs e grandes empresas constitui um dos principais desafios para a competitividade e coesão do tecido empresarial nacional.

4.1.2 Trajetória de Crescimento

A evolução temporal da adoção de IA pelas empresas em Portugal demonstra uma aceleração notável:

  • 2019-2021: Fase embrionária, com taxas de adoção inferiores a 2% no universo empresarial geral, e ainda mais residuais nas PMEs.
  • 2022: Aceleração inicial, com algumas projeções (e.g., AWS) a indicarem um crescimento de 28% no interesse e primeiras implementações, impulsionado pela maior visibilidade da IA.
  • 2023: Consolidação com disparidades evidentes. Os 7% de adoção nas PMEs (INE) contrastam com estudos (e.g., Salesforce, IDC, com metodologias e definições de IA mais abrangentes, incluindo ferramentas mais simples) que sugerem taxas entre 15% e 35% para PMEs mais digitalizadas ou em setores específicos.
  • 2024 (Estimativas): Expansão acelerada, com algumas estimativas (e.g., Implement Consulting Group & Google Portugal, 2024) a projetarem que até 57% das empresas (incluindo PMEs) já utilizam ou experimentam alguma forma de IA, especialmente ferramentas de IA generativa de fácil acesso.

4.1.3 Análise das Disparidades de Dados

As variações significativas nas taxas de adoção reportadas (de 7% a 57%) podem ser atribuídas a:

  1. Diferenças Metodológicas e Definições de IA: Inquéritos oficiais (INE) tendem a focar-se em implementações mais estruturadas e complexas (e.g., machine learning, processamento de linguagem natural em sistemas core), enquanto estudos de consultoras podem incluir o uso de ferramentas de IA mais básicas ou incorporadas em software de produtividade.
  2. Universo Amostral e Representatividade: Alguns estudos podem ter amostras com sobre-representação de empresas mais digitalmente maduras ou de setores específicos com maior propensão à adoção.
  3. Velocidade da Mudança vs. Ciclos Estatísticos: A adoção de IA, especialmente generativa, evolui a uma velocidade que os ciclos de recolha e publicação de dados estatísticos oficiais dificilmente acompanham em tempo real.

4.2 Análise Setorial da Implementação

4.2.1 Setores Líderes (Adoção em Empresas do Setor)

Serviços Financeiros e Seguros (78% de adoção entre as empresas do setor que usam IA):

  • Aplicações: Deteção de fraudes, análise de risco de crédito, automação de processos de back-office, chatbots para atendimento ao cliente.
  • Drivers: ROI comprovado em eficiência operacional, redução de custos e exigências de conformidade regulatória (RegTech).

Indústria Transformadora (66% de adoção):

  • Aplicações: Manutenção preditiva, controlo de qualidade visual, otimização da cadeia de abastecimento, robótica colaborativa, design de produto assistido por IA.
  • Drivers: Integração no paradigma da Indústria 4.0, modernização de processos produtivos, ganhos de eficiência.

Tecnologia, Informação e Comunicações (65% de adoção):

  • Aplicações: Desenvolvimento de software assistido por IA, cibersegurança, otimização de redes, personalização de serviços.
  • Drivers: IA como core business ou diferenciador competitivo intrínseco; ecossistema de startups como catalisador.

4.2.2 Setores Emergentes com Crescimento Acelerado

Comércio e Retalho:

  • Drivers: Crescimento exponencial do e-commerce (onde, segundo alguns estudos, PMEs que adotam IA reportam aumentos de receita na ordem dos 88%), necessidade de personalização da experiência do cliente.
  • Aplicações: Sistemas de recomendação, otimização de inventário, pricing dinâmico, análise de sentimento de clientes.

Saúde (com elevado potencial transformador):

  • Aplicações: Apoio ao diagnóstico (e.g., imagiologia), medicina personalizada, otimização da gestão hospitalar e de recursos.
  • Desafios: Barreiras regulatórias significativas (proteção de dados sensíveis), necessidade de validação clínica rigorosa.

4.3 Fatores Determinantes da Adoção

4.3.1 Catalisadores

Infraestrutura Digital Avançada:

  • Portugal apresenta uma excelente cobertura de redes de elevada capacidade (93% dos agregados familiares em 2022, superior à média da UE de 73% – DESI 2023).
  • Conectividade empresarial quase universal (98% das empresas com acesso à banda larga fixa – INE 2023).

Ecossistema de Apoio e Financiamento:

  • Programas como Portugal 2030 e Compete 2030, com dotações para a transformação digital.
  • Investimento público e privado em IA previsto superior a 100 milhões de euros em 2024 (estimativas IDC).
  • Instrumentos do PRR, como os Vouchers para a Transição Digital, visando PMEs.

Pressão Competitiva e Procura do Mercado:

  • Necessidade de diferenciação em mercados concorrenciais.
  • Influência de grandes empresas e parceiros comerciais que já adotaram IA, exigindo maior digitalização na cadeia de valor.
  • Exigências dos consumidores por experiências mais personalizadas e eficientes.

4.3.2 Barreiras Estruturais

Défice Estrutural de Talento Qualificado:

  • Cerca de 32% das empresas portuguesas reportam dificuldades em recrutar profissionais com competências em IA (Eurostat, 2023).
  • Mais de 50% das empresas enfrentaram dificuldades na contratação de especialistas TIC em geral em 2023 (INE, 2024).
  • Desfasamento entre a oferta formativa especializada e as necessidades dinâmicas do mercado de trabalho.

Constrangimentos Financeiros e de Recursos nas PMEs:

  • Custos de implementação de soluções de IA robustas (software, hardware, consultoria) podem ser proibitivos para muitas PMEs.
  • Incerteza quanto ao Retorno sobre o Investimento (ROI), especialmente em fases iniciais ou para soluções menos maduras.
  • Complexidade de integração com sistemas legados existentes.

Resistência Cultural e Organizacional:

  • Apenas 39% dos utilizadores de IA no trabalho receberam formação específica (Eurostat, 2023), indicando um défice de capacitação interna.
  • Receio de substituição de postos de trabalho pela tecnologia.
  • Inércia organizacional e resistência à mudança em processos estabelecidos.
  • Falta de literacia digital e de IA nos quadros de gestão de algumas PMEs.

4.4 Impacto Económico Atual (Indicadores Preliminares)

4.4.1 Indicadores de Performance Macroeconómica e Empresarial

Em 2023, as empresas portuguesas registaram um crescimento nominal de 4,9% no volume de negócios e de 13,8% no Valor Acrescentado Bruto (VAB) (INE). Embora multifatorial, este desempenho é parcialmente atribuível aos investimentos contínuos em digitalização, onde a IA começa a ter um papel.

4.4.2 Retorno sobre Investimento (Percebido pelas Empresas Adotantes)

Estudos setoriais (e.g., Salesforce, IDC) indicam que empresas (incluindo PMEs) que implementaram IA reportam benefícios significativos:

  • Uma elevada percentagem (variando entre 70-88% dependendo do estudo e do tipo de IA) regista aumento de receitas.
  • Mais de 50% reportam melhorias na eficiência operacional.
  • Reduções médias de 20-30% no tempo despendido em tarefas administrativas e repetitivas.

5. O Regulamento IA da UE: Desafios e Oportunidades para as PMEs

5.1 Enquadramento Regulatório

O Regulamento (UE) 2024/1689, conhecido como AI Act, foi publicado no Jornal Oficial da UE em junho de 2024 e entrou em vigor 20 dias após essa publicação. Constitui o primeiro quadro jurídico horizontal e abrangente a nível mundial para a regulação da IA. A sua aplicação será faseada:

  • Início de 2025 (6 meses após entrada em vigor): Aplicação das proibições a sistemas de IA de risco inaceitável.
  • Meados de 2025 (12 meses): Início da aplicação das regras para modelos de IA de finalidade geral (GPAI).
  • Meados de 2026 (24 meses): Aplicação da maioria das restantes disposições, incluindo obrigações para sistemas de alto risco (com algumas exceções que se estendem a 36 meses).

5.2 Classificação de Risco e Implicações

O AI Act adota uma abordagem baseada no risco:

  • Sistemas de Risco Inaceitável: Proibidos (e.g., pontuação social por autoridades públicas, manipulação comportamental subliminar que cause dano).
  • Sistemas de Alto Risco: Sujeitos a regulamentação rigorosa antes da sua colocação no mercado (e.g., IA em infraestruturas críticas, educação, emprego, serviços públicos essenciais, aplicação da lei, saúde). Requerem avaliação de conformidade, gestão de risco, documentação técnica, transparência e supervisão humana.
  • Sistemas de Risco Limitado: Sujeitos a obrigações de transparência (e.g., chatbots devem informar que o utilizador interage com uma máquina; deepfakes devem ser identificados).
  • Sistemas de Risco Mínimo ou Nulo: A grande maioria das aplicações de IA (e.g., filtros de spam, IA em videojogos). Sem restrições adicionais, beneficiando de livre circulação.

5.3 Impacto nas PMEs Portuguesas

5.3.1 Desafios de Conformidade

O regime sancionatório do AI Act prevê coimas que podem atingir até 35 milhões de euros ou 7% do volume de negócios anual mundial para os incumprimentos mais graves (e.g., sistemas proibidos), e valores inferiores para outras infrações (e.g., 15 milhões ou 3% para violações de obrigações de sistemas de alto risco). Estes montantes representam um risco existencial para muitas PMEs.

Custos de Conformidade Potenciais:

  • Realização de avaliações de conformidade (para sistemas de alto risco).
  • Elaboração e manutenção de documentação técnica detalhada.
  • Implementação de sistemas de gestão de qualidade e monitorização pós-comercialização.
  • Necessidade de aconselhamento jurídico e técnico especializado.

5.3.2 Oportunidades Estratégicas

“IA Confiável” (Trustworthy AI) como Vantagem Competitiva:

  • A conformidade com o AI Act pode posicionar as PMEs portuguesas como fornecedoras de soluções de IA seguras e éticas, um diferenciador no mercado global, especialmente no europeu.
  • Acesso facilitado a concursos públicos e a cadeias de valor de grandes empresas que exijam conformidade.
  • Construção de relações de confiança com clientes, utilizadores e outros stakeholders.

Apoio Institucional e Simplificação:

  • O AI Act prevê a criação de “sandboxes regulatórias” (ambientes de testagem controlados) para facilitar a inovação, especialmente para PMEs e startups.
  • A Comissão Europeia e as autoridades nacionais deverão disponibilizar orientações, formação e canais de comunicação dedicados às PMEs para apoiar a conformidade.
  • Potencial para desenvolvimento de ferramentas e plataformas de apoio à conformidade.

6. Projeções Futuras (2025-2030)

6.1 Cenários de Desenvolvimento da IA em Portugal

6.1.1 Cenário Otimista: “Portugal como Hub de IA Confiável”

Pressupostos:

  • Resolução significativa do défice de talento através de programas massivos e eficazes de formação e requalificação (upskilling/reskilling).
  • Simplificação e aceleração do acesso a financiamento dedicado à IA para PMEs.
  • Adoção proativa do AI Act pelas empresas como um selo de qualidade e vantagem competitiva.
  • Forte colaboração entre academia, indústria e governo.

Resultados Esperados:

  • Taxa de adoção de IA pelas PMEs atinge 60-70% até 2030.
  • Impacto económico adicional no PIB entre 18-22 mil milhões de euros até 2030 (Implement Consulting Group & Google, 2024).
  • Portugal consolida-se como um polo europeu de desenvolvimento e aplicação de “IA ética e confiável”.

6.1.2 Cenário Realista: “Crescimento Sustentado com Desafios Persistentes”

Pressupostos:

  • Progresso moderado mas contínuo na mitigação das barreiras estruturais (talento, financiamento).
  • Adoção gradual do AI Act, com foco inicial na minimização de riscos em vez de exploração de oportunidades.
  • Impacto da IA diferenciado por setor, com alguns a avançarem mais rapidamente.

Resultados Esperados:

  • Taxa de adoção de IA pelas PMEs entre 40-50% até 2030.
  • Impacto económico adicional no PIB entre 8-12 mil milhões de euros.
  • Portugal mantém a sua posição competitiva relativa na Europa, sem um salto qualitativo disruptivo.

6.1.3 Cenário Pessimista: “Estagnação e Aprofundamento da Clivagem Digital”

Pressupostos:

  • Persistência ou agravamento do défice de talento qualificado.
  • Complexidade e custos de conformidade com o AI Act tornam-se um fardo excessivo para as PMEs, sem apoio adequado.
  • Atraso significativo (e.g., cinco anos) na adoção generalizada de IA em comparação com congéneres europeus.
  • Baixo investimento em I&D e inovação em IA.

Resultados Esperados:

  • Taxa de adoção de IA pelas PMEs permanece abaixo dos 25-30% até 2030.
  • Impacto económico adicional no PIB reduzido para 3-5 mil milhões de euros.
  • Perda de competitividade das PMEs portuguesas face a parceiros europeus e internacionais.
  • Aprofundamento da clivagem digital interna e externa.

6.2 Fatores Críticos de Sucesso para um Cenário Positivo

6.2.1 Desenvolvimento Acelerado de Capital Humano

Iniciativas Prioritárias:

  • Expansão e reforço de programas como o INCoDe.2030, com metas ambiciosas para literacia e especialização em IA.
  • Criação de programas de requalificação profissional (reskilling/upskilling) em IA, ágeis e adaptados às necessidades das PMEs.
  • Integração transversal da literacia em dados e IA nos currículos educativos, desde o ensino básico ao superior.

6.2.2 Simplificação do Acesso a Financiamento e Recursos

Medidas Propostas:

  • Alargamento e simplificação dos Vouchers para a Transição Digital e outros instrumentos de apoio do PRR e Portugal 2030.
  • Criação de fundos de capital de risco e linhas de crédito específicas para projetos de IA em PMEs, com mecanismos de partilha de risco.
  • Desenvolvimento de plataformas “IA como Serviço” (AIaaS) acessíveis e adaptadas às PMEs.

6.2.3 Fomento de um Ecossistema de Inovação Colaborativo

Desenvolvimento de:

  • Rede de Centros de Competência em IA, especializados por setor ou tecnologia, com foco no apoio às PMEs.
  • Plataformas colaborativas de I&D entre universidades, centros de investigação e empresas.
  • Criação de mais demonstradores tecnológicos e projetos-piloto para reduzir a incerteza e mostrar o valor da IA.

7. Discussão e Implicações Críticas

7.1 Paradoxos e Tensões Fundamentais

7.1.1 A Clivagem Digital como Ameaça Sistémica à Coesão Económica

A disparidade de adoção de IA entre grandes empresas (35%) e PMEs (7-35%, dependendo da métrica) não é apenas uma questão de modernização desigual, mas configura uma ameaça à estabilidade e competitividade do tecido empresarial português. O risco de uma “economia a duas velocidades” é real, podendo resultar em:

  • Concentração de mercado e redução da concorrência.
  • Perda de diversidade empresarial e inovação incremental que caracteriza as PMEs.
  • Agravamento das assimetrias regionais e erosão da coesão social e territorial.

7.1.2 O Paradoxo do Talento: Ecossistema Vibrante vs. Défice Estrutural

Portugal tem demonstrado capacidade para atrair investimento tecnológico e fomentar um ecossistema de startups dinâmico. Contudo, enfrenta simultaneamente uma crise persistente de competências digitais e de IA. Esta dissonância sugere desalinhamentos estruturais entre:

  • Estratégias de atração de investimento externo e a capacidade interna de formação de capital humano qualificado.
  • A velocidade da evolução tecnológica e a capacidade de adaptação dos sistemas de educação e formação profissional.
  • As necessidades específicas das PMEs em termos de competências em IA e a oferta formativa disponível, muitas vezes mais orientada para perfis altamente especializados ou para grandes empresas.

7.2 Oportunidades Estratégicas Emergentes

7.2.1 O AI Act como Catalisador de uma Vantagem Competitiva Baseada na Confiança

Contrariamente a uma perceção inicial de mero fardo regulatório, o AI Act pode constituir uma oportunidade singular para as PMEs portuguesas se diferenciarem no mercado global através da oferta de “IA confiável” (Trustworthy AI). Esta abordagem requer:

  • Investimento proativo em compreender e implementar os requisitos de conformidade aplicáveis.
  • Desenvolvimento de competências internas ou acesso a consultoria especializada em ética e governação da IA.
  • Posicionamento estratégico de marketing e comunicação que valorize a segurança, transparência e robustez das suas soluções de IA.

7.2.2 Janela de Oportunidade Crítica (2025-2027) para um Salto Qualitativo

Portugal encontra-se numa janela temporal crítica (aproximadamente 2025-2027) onde as decisões políticas e empresariais tomadas terão um impacto desproporcional na sua trajetória competitiva futura no domínio da IA. A convergência de:

  • Plena execução dos fundos estruturais europeus do ciclo 2021-2027 (PRR e Portugal 2030).
  • O período de adaptação e entrada em plena aplicação do AI Act.
  • A maturação e disseminação da IA generativa e outras tecnologias de IA acessíveis.
    Cria um contexto único para um possível salto qualitativo na digitalização e competitividade do tecido empresarial, especialmente das PMEs.

7.3 Riscos e Vulnerabilidades Estratégicas

7.3.1 Dependência Tecnológica e Soberania Digital

A elevada dependência de plataformas e soluções de IA desenvolvidas e controladas por um pequeno número de grandes empresas tecnológicas globais (maioritariamente não europeias) expõe Portugal e as suas PMEs a:

  • Vulnerabilidades na segurança de dados e infraestruturas críticas.
  • Instabilidade no fornecimento e evolução de tecnologias chave.
  • Captura de valor económico por entidades externas, limitando os benefícios para a economia nacional.
  • Desafios à soberania digital e à capacidade de definir prioridades tecnológicas alinhadas com os interesses nacionais e europeus.

7.3.2 Sustentabilidade Ambiental da IA

O crescimento exponencial da capacidade computacional necessária para treinar e operar modelos de IA avançados levanta sérias questões sobre a sustentabilidade ambiental:

  • Aumento do consumo energético e da pegada de carbono associada aos centros de dados e algoritmos de IA.
  • Necessidade de alinhar o desenvolvimento da IA com os objetivos climáticos da UE (Pacto Ecológico Europeu).
  • Oportunidade para Portugal, com o seu mix energético favorável a renováveis, de se posicionar como um local para desenvolvimento de “IA Verde”, mas que requer investimento e planeamento.

8. Conclusões e Recomendações

8.1 Conclusões Principais

  1. Estado da Arte da Adoção (Q1): A adoção de IA pelas PMEs portuguesas (2019-2024) é incipiente mas crescente, marcada por uma significativa clivagem digital face às grandes empresas. As disparidades nos dados reportados devem-se a diferenças metodológicas, amostrais e à rápida evolução tecnológica.
  2. Padrões e Determinantes (Q2): Setores como financeiro, indústria e TIC lideram a adoção. Catalisadores incluem infraestrutura digital e apoios públicos, enquanto barreiras críticas são o défice de talento, custos e resistência cultural.
  3. Impacto do AI Act (Q3): O AI Act apresenta um duplo prisma para as PMEs: um desafio de conformidade (custos, complexidade) e uma oportunidade estratégica de diferenciação através da “IA confiável”, potenciando a competitividade no mercado europeu.
  4. Projeções e Implicações (Q4): O futuro da IA em Portugal (2025-2030) é contingente. Cenários variam de um impacto económico de 3-5 mil milhões de euros (pessimista) a 18-22 mil milhões (otimista), dependendo da capacidade de superar barreiras e capitalizar oportunidades. A trajetória definirá se Portugal se tornará um ator relevante ou periférico na economia da IA.

8.2 Recomendações Estratégicas

Com base nas conclusões, delineiam-se as seguintes recomendações estratégicas:

8.2.1 Para Decisores Políticos e Entidades Públicas

Prioridade 1: Missão Nacional para o Capital Humano em IA e Literacia Digital:

  • Ação: Triplicar o investimento público em programas de formação, qualificação e requalificação em IA e competências digitais, com metas específicas para PMEs.
  • Instrumento: Criar “Vouchers de Capacitação em IA” para trabalhadores e gestores de PMEs, cofinanciando formação certificada.
  • Integração: Incorporar de forma robusta a literacia em dados e IA em todos os níveis do sistema educativo e de formação profissional.

Prioridade 2: Democratização do Acesso à Tecnologia e ao Financiamento:

  • Ação: Simplificar radicalmente e desburocratizar o acesso das PMEs a programas de apoio à adoção de IA (e.g., PRR, PT2030).
  • Instrumento: Fomentar a criação de plataformas “IA como Serviço” (AIaaS) de baixo custo, seguras e adaptadas às necessidades das PMEs, possivelmente com subsídios iniciais.
  • Difusão: Expandir e capilarizar iniciativas de demonstração tecnológica setorial e redes de Digital Innovation Hubs focados em IA para PMEs.

Prioridade 3: Posicionamento Estratégico de Portugal na Economia da IA Confiável:

  • Ação: Desenvolver e promover Portugal como um centro de excelência em “IA confiável e ética”, alinhado com o AI Act.
  • Instrumento: Apoiar ativamente as PMEs na navegação do AI Act, através de guias práticos, sandboxes regulatórias e consultoria especializada.
  • Internacionalização: Liderar e participar em iniciativas internacionais sobre governação e ética da IA, atraindo investimento e talento com base na robustez do quadro regulatório europeu.

8.2.2 Para Líderes e Gestores de PMEs

Estratégia 1: Adoção Faseada e Orientada para o Negócio:

  • Ação: Iniciar a jornada na IA com projetos-piloto de baixo risco e alto impacto potencial, focados na resolução de problemas de negócio concretos (e.g., otimização de processos, melhoria da experiência do cliente).
  • Capacitação: Priorizar a construção de competências internas básicas em IA e análise de dados antes de realizar grandes investimentos em tecnologias complexas.
  • Parcerias: Explorar colaborações com universidades, centros tecnológicos e outras PMEs para partilha de conhecimento, custos e riscos.

Estratégia 2: Investimento Prioritário em Pessoas e Cultura Organizacional:

  • Ação: Investir na formação e requalificação das equipas existentes para desenvolver uma cultura data-driven e recetiva à IA.
  • Liderança: Envolver ativamente a gestão de topo na definição da estratégia de IA e na promoção de uma mentalidade de experimentação e aprendizagem contínua.
  • Comunicação: Comunicar transparentemente os objetivos e benefícios da adoção de IA, mitigando receios e fomentando o envolvimento dos colaboradores.

Estratégia 3: Transformar o AI Act em Vantagem Competitiva:

  • Ação: Antecipar e compreender os requisitos do AI Act aplicáveis ao seu setor e tipo de soluções de IA utilizadas ou desenvolvidas.
  • Diferenciação: Utilizar a conformidade com o AI Act como um selo de qualidade e confiança para se diferenciar no mercado.
  • Apoio: Procurar ativamente informação, formação e apoio especializado (e.g., através de associações empresariais, consultores, Digital Innovation Hubs) para navegar o processo de conformidade.

8.2.3 Para a Comunidade Académica e Centros de Investigação

Prioridade 1: Investigação Aplicada Relevante e Orientada para as PMEs:

  • Foco: Desenvolver estudos longitudinais sobre o impacto socioeconómico da IA (emprego, produtividade, modelos de negócio) especificamente no contexto das PMEs.
  • Análise: Realizar análises de custo-benefício da adoção de diferentes tipos de soluções de IA em setores chave para as PMEs.
  • Investigação Qualitativa: Aprofundar a compreensão das barreiras culturais, organizacionais e comportamentais à adoção de IA nas PMEs.

Prioridade 2: Fortalecimento da Ligação Universidade-Empresa no Domínio da IA:

  • Formação: Desenvolver e oferecer programas de formação em IA (graduada, pós-graduada, executiva) mais flexíveis, modulares e alinhados com as necessidades e constrangimentos das PMEs.
  • Colaboração: Intensificar projetos de I&D colaborativos entre academia e PMEs, facilitando a transferência de conhecimento e tecnologia.
  • Inovação: Apoiar a incubação e aceleração de startups de IA e o desenvolvimento de soluções tecnológicas que respondam a desafios reais do tecido empresarial PME.

8.3 Agenda de Investigação Futura

Para aprofundar o conhecimento nesta área, sugere-se uma agenda de investigação futura focada em:

  1. Estudos de Impacto Longitudinal Detalhados: Monitorização contínua e granular da evolução da adoção de IA pelas PMEs, seus impactos na produtividade, emprego e modelos de negócio, utilizando metodologias mistas.
  2. Análises Qualitativas Aprofundadas: Investigação etnográfica e estudos de caso múltiplos para compreender em profundidade as barreiras e facilitadores culturais, organizacionais e comportamentais à adoção e uso eficaz da IA nas PMEs.
  3. Benchmarking Internacional Dinâmico: Comparação sistemática e contínua das estratégias, políticas e resultados de Portugal com outros países europeus e líderes globais na promoção da IA em PMEs.
  4. Avaliação da Efetividade de Políticas Públicas: Análise rigorosa do impacto e da relação custo-benefício das diferentes medidas de política e programas de apoio à adoção de IA pelas PMEs.
  5. IA e Sustentabilidade nas PMEs: Investigar como as PMEs podem utilizar a IA para promover objetivos de sustentabilidade (ambiental, social) e os desafios associados.

Referências Bibliográficas

  • Comissão Europeia (2024). Regulamento (UE) 2024/1689 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2024, que estabelece regras harmonizadas em matéria de inteligência artificial (Regulamento Inteligência Artificial) e altera determinados atos legislativos da União. Jornal Oficial da União Europeia, L, 2024/1689.
  • Davis, F. D. (1989). Perceived usefulness, perceived ease of use, and user acceptance of information technology. MIS Quarterly, 13(3), 319-340.
  • Governo de Portugal (2019). AI Portugal 2030: Estratégia Nacional de Inteligência Artificial. Lisboa.
  • Implement Consulting Group & Google Portugal (2024). The Economic Opportunity of Generative AI in Portugal. Lisboa.
  • Instituto Nacional de Estatística (2024). Inquérito à Utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação nas Empresas – 2023. Lisboa: INE.
  • Instituto Nacional de Estatística (2023). Estatísticas das Empresas – 2022. Lisboa: INE. (Nota: Ajustar o ano conforme a referência exata para os 99% e 78% na introdução).
  • International Data Corporation (2024). AI Investment Forecasts for Portugal. Lisboa. (Ou o título específico do relatório utilizado).
  • Rogers, E. M. (2003). Diffusion of innovations (5th ed.). Free Press.
  • Salesforce (2024). Small and Medium Business Trends Report. Global. (Ou o título específico do relatório utilizado).
  • Teece, D. J., Pisano, G., & Shuen, A. (1997). Dynamic capabilities and strategic management. Strategic Management Journal, 18(7), 509-533.
  • Eurostat (2023). Enterprises that provided training to develop/upgrade ICT skills of their personnel [isen_skill_ia]. (Ou a tabela/dataset específico utilizado para os 32% e 39%).
  • Comissão Europeia (2023). Digital Economy and Society Index (DESI) 2023 – Portugal. Bruxelas.
  • Parlamento Europeu (2024). AI Act: European Parliament gives final green light to the first worldwide rules on Artificial Intelligence. Comunicado de Imprensa. Bruxelas.
  • Portugal Digital (2024). AI Act: O que muda para as empresas e cidadãos. (Ou documento similar de divulgação/análise).

Sobre o Autor:
Emanuel Almeida é fundador da Descomplicar® – Agência de Aceleração Digital, especializada em transformação digital para PMEs. Com experiência em consultoria estratégica e implementação de soluções tecnológicas, desenvolve investigação aplicada sobre a adoção de tecnologias disruptivas no tecido empresarial português, com foco na Inteligência Artificial.

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